ALCATRAZ – Facção Central
(Faixa 7 CD 1 - Direto do Campo de Extermínio, 2003)
Da cobertura eu observo os moleques lá embaixo
chinelo no cotovelo jogando bola descalços
Felizes sem muro com caco de vidro
Sem vigia com Walk Talk, câmera de vídeo
Indo pra aula sonho atrás da blindagem do Nissan
com pipa, pião, carrinho de rolimã
Tenho 12 até hoje ninguém reclamou em casa
que na minha cobrança de falta eu quebrei sua vidraça
Não tem graça no condomínio minha bike nova
me sinto igual a um Hamster correndo na gaiola
Meu pai nunca me buscou depois da aula
pra eu ver ele só marcando horário com a secretária
Minha mãe só se preocupa com plástica, jóia
Alta costura, teatro, desfiles de moda
Pra eles foda-se o que o pobre ta comendo, bebendo
Aí eu termino de computador, escargot, só que preso
Não passo de mercadoria, produto pra sequestro
Meu chofer na Blitz falsa é projétil no cérebro
Pra quem joga sozinho não tem cartucho legal
Sem internet eu nem teria amigo virtual
Foda-se o parque aquático, o toboágua
quero a bandeira do meu time, gritar gol na arquibancada
Daria meu kart, minha parte na herança
pra tá no bar do morro jogando fliperama
Sonho com a carta de alforria da minha Alcatraz de ouro
com a paz sem vigia nem muro de tijolo
Daqui debaixo eu observo a cobertura de luxo
como seria abrir a geladeira e ter de tudo
Morar num AP de 600 de área construída
fim de semana na fazenda, no haras da família
vou pra aula sonhando com um copo de leite
com as prateleiras da Ri-Happy, um tênis sem silver-tape
Até hoje um frango assado foi meu melhor almoço
esmola do padeiro pra eu não olhar pro seu forno
não tem graça na favela rolê com a minha bike roubada
perto de cadáver, gambé dando cabada
Há, se eu esconder uma câmera pra filmar
o que meu pai me bate, vira santa a babá
minha mãe só se preocupa com a escolha do vestido
tem que ser bem fudido pra vender doce no seu vidro
nasci pra ser cobaia,puta que pariu
pra testar com a 9 3 8 terno blindado de 9 mil
Igual ao cão que odeia o gato
gato que odeia o rato
por instinto quero o menino do condomínio enterrado
filho de egoísta, que em país é turista
praga ruim tem que cedo trombar pesticida
Tem foto em Orlando com Mickey abraçado
e eu pra andar num Vectra é só algemado
Daria até minha automática com dois pentes cheios
Pra nunca mais sonhar com o lanche na hora do recreio
Sonho com a carta de Alforria da minha Alcatraz de compensado
com a paz sem revólver nem refém torturado
O vinho do meu pai é 12 mil a garrafa
penso no número de cesta básica
o apetite vasa
prevejo que um dia vai ter bomba no motor
virou a chave e no contato, adeus Doutor
Dono de loja famosa, várias filiais
tipo que odeia pobre mas não seus Reais
tem como hobby humilhar a empregada doméstica
também pegar o jato e pular de pára-quedas
O mundo é o corpo e ele é o tumor maligno
descende de quem roubou as terras dos índios
Eu nunca vou ter minha carta de Alforria
é que corpo em chamas não é problema da minha família
Meu sonho é ser astro de cinema
mas não ser o ator preto carregando bandeja
quero dar coletiva, ter cara fotografada
mas não pra explicar minha fuga cinematográfica
Harvard pro pivete de patinete no pé
um do tambor pro de isopor vendendo picolé
Sem Game Boy, brinquedo da Tec Toy
no aniversario é só duas Dolly e um bolo Seven Boys
eu sou o artista plástico pronto pra expor
seu retrato falado no museu da dor
Tem um muro de lágrima entre o pobre e o boy
do lado dourado cresce a vítima
no vermelho seu algoz
Sonho com a carta de alforria da minha Alcatraz de Ouro
com a paz sem vigia nem muro de tijolo
Sonho com a carta de Alforria da minha Alcatraz de compensado
com a paz sem revólver nem refém torturado.