sábado, 8 de dezembro de 2012

O jeito "datenesco" de ser


Datenesco: adj. s.m. s.f. (do português midiático Datena). 1.Aquele ou aquela que segue a mesma ideologia que o Datena pregou em seu programa de televisão. 2.Indivíduo portador de senso comum, incapaz de expor pensamentos elaborados e complexos sobre problemas sociais, repetindo sempre os mesmos jargões e frases feitas, que expressam tendências fascistas, preconceituosas e obsessivas por punições e vinganças.


Está fazendo dois anos que decidimos criar o Blog Sociedade Sem Prisões (assim com o nossa página no Facebook) com o objetivo de divulgar um ponto de vista crítico em relação ao sistema prisional e suas funções sociais e políticas em oposição ao discurso hegemônico e central do governo e da mídia, pois estes não se interessam em mostrar diversidades de pensamentos que existe sobre o tema, mas apenas em massificar a opinião pública. Para além das ações que desenvolvemos pontualmente em nossos trabalhos com pessoas presas, egressos do sistema prisional e familiares, tínhamos o objetivo de também contribuir de alguma forma para mudar o imaginário social distorcido que existe a respeito desta realidade. O discurso governamental e a grande mídia insistem em apresentar o “crime” apenas como um fenômeno de origem e causa exclusivamente individual. Diferentemente, apresentamos uma visão da “criminalidade” a partir de uma gênese social, ou seja, mostramos que, para além das escolhas individuais (que claro, estão sempre presentes), há várias outras questões econômicas, sociais e culturais envolvidas na produção do crime e do criminoso. Portanto, não adianta punir ou recuperar “criminosos”, pois o que precisa realmente ser recuperado é a sociedade, para que os problemas sociais indesejados diminuam. Só que não há interesse por parte dos governantes em transformar essa realidade, que os favorece de várias formas, na medida em que obtém ganhos financeiros com a indústria da segurança, obtém votos e usam as prisões apenas para controlar as classes pobres, mas não para colocar seus iguais que também cometem ilegalidades.

Durante esse tempo, descobrimos que o desafio de debater outros pontos de vista é muito maior que imaginávamos, pois há muitas ideias cristalizadas que são difíceis de serem descontruídas, pois já estão sendo induzidas há anos por programas e jornais sensacionalistas além de também serem influenciadas por mensagens sutis enviadas através das relações entre “mocinhos” e “vilões” de novelas. De forma hipócrita e perversa, essa mídia, ao mesmo tempo em que lucra mostrando a violência o tempo todo, diz pretender combate-la e apresenta soluções simplistas, imediatistas e supostamente “milagrosas” para “combater o crime”. Como exemplo, tivemos o caso da artista Daniela Perez, que gerou a Lei de Crimes Hediondos e, consequentemente, foi seguida de um aumento estrondoso da população carcerária no país, sem surtir nenhum efeito na diminuição da violência. Pelo contrário, quanto mais o país encarcera, mais a sensação de insegurança da população aumenta. Isso, por si só, já deveria ser motivo de questionamentos por parte da população a respeito desta “milagrosa solução”  via repressão. Mas infelizmente o ser humano é muito manipulável e, desprovido de meios para se informar mais profundamente sobre os assuntos que lhe interessam, acabam tendo como fonte formadora de opinião apenas os canais da grande mídia pertencentes à elite da sociedade, que só mostram seu ponto de vista sobre os fatos.

O sensacionalismo desses programas, jornais e novelas é o responsável pela exacerbação de uma cultura do medo, que faz com que a população concentre seus reclames na área da segurança e esqueça as reivindicações nas áreas da saúde, educação, moradia, trabalho digno, distribuição de renda e erradicação da pobreza, previstos em nossa Constituição Federal. Ponto para os políticos! Que poderão seguir seus planos sem ter que mexer com os interesses dos grandes empresários capitalistas que lhes financiam.

Dentro desta programação televisiva, se destaca um personagem caricatural, que concentra todas as características indesejáveis para aqueles que querem pensar seriamente sobre o problema da violência e suas possíveis e reais soluções: o Datena. Qual a característica do sensacionalismo reproduzido por ele e os demais que seguem sua onda? Forte apelo emocional, uso de opiniões e expressões pessoais, chulas e exageradas sobre os fatos, apresentação de imagens e casos chocantes, generalização das opiniões, indução dos telespectadores a uma compreensão distorcida dos fatos, atração de audiência através do choque, com chamadas bizarras do tipo “matou e foi jogar bilhar”. É bom destacar que isso não é uma característica individual deste apresentador, mas, sim, faz parte de um processo histórico e social do qual ele é apenas um produto grotesco. Produto e produtor, uma vez que também contribui para continuar disseminando essa forma de interpretação dos fatos que funciona como um verdadeiro desserviço à comunidade, pois não agrega nenhum valor e não contribui para mudanças sociais significativas e resolução dos problemas apresentados a partir de suas raízes.

Enfim, durante esses dois anos da página “Sociedade Sem Prisões”, nós temos que ler todos os dias frases e jargões de “papagaios de telejornal”, que se tornaram incapazes de pensar e construir ideias próprias, novas, autênticas e autônomas, que só conseguem repetir aquilo que lhes foi empurrado através da tela da TV, por uma repetição cotidiana e hipnotizante de frases (equivocadas) como na propaganda “compre Baton, compre Baton, compre Baton” (proibida pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).

Atenção: Qualquer semelhança identificada entre vocês (ou alguém que conheçam) e as expressões datenescas abaixo, NÃO é mera coincidência.

"Bandido bom é bandido morto."

"Lugar de bandido/vagabundo/criminoso é na cadeia.”

“Se o adolescente pode votar, pode pagar por seus crimes.”

“Direitos Humanos (ou Direito dos Manos) é pra defender bandido.”

“Depois da criação do ECA os pais não podem mais educar seus filhos.”

“Se tem dó de bandido, então leva pra casa.”

“Só eu que fui violentado(a) (ou tive um pai, uma mãe, um avô, um irmão) violentado(a) sei o que é ser vítima desses vagabundos.”

 “Se um criminoso desses estuprasse ou matasse alguém da família desses defensores dos direitos humanos eles mudavam de ideia.”

“Depois que inventou esse tal de direitos humanos a criminalidade piorou.”

“É por causa da impunidade que os ‘menores’ estão matando desse jeito.”

“Um menor mata e estrupa alguém e no outro dia já está na rua. Não tem punição.”

“Esses ‘direitos humanos’ não se preocupam com as vítimas, só com os criminosos.”

“Enquanto o trabalhador só ganha salário mínimo, o bandido tem bolsa de 900 reais, tem comida todo dia, médico, nutricionista, etc.”.

“Direitos humanos foram feitos para humanos direitos.”

“Os criminosos fazem o que fazem porque sabem que não vai dar nada pra eles.”

“A pobreza não justifica o crime porque eu conheço um pobre (ou tenho um parente pobre, ou eu sou um pobre) que mesmo assim conseguiu ‘subir’ na vida, estudar e trabalhar honestamente.”

“Os adolescentes tem que ser punidos como adultos, pois já sabem muito bem discernir entre o certo e o errado.”

“Bandido tinha que ficar a pão e água na cadeia, fazendo trabalhos forçados e apanhando todo dia pra aprender.”

 “Tem que punir os menores porque os traficantes estão usando eles pra fazer todo tipo de maldade porque eles não vão presos.”

“Esses criminosos são psicopatas perigosos e sem empatia e por isso merecem ficar presos pra sempre ou morrer.”

"Esse bando de marginais vagabundos estão soltos nas ruas enquanto os cidadãos de bem estão presos em suas casas."

"Polícia na rua e bandido na cadeia!"

"Pra esse tipo de gente monstruosa sou a favor da pena de morte."

“Vocês que ficam com dó desses vagabundos é que mereciam ser assaltados ou levar um tiro na cara pra aprender.”

Enfim, a lista poderia ser maior. Mas como podem ver, expressam um pensamento único: o clamor pela punição (vingança) e a crença nesta como a única saída para o problema da violência. E são esses pensamentos que formam o que eu tenho chamado de “jeito datenesco de ser”.

P.S. Em outra oportunidade irei comentar porque cada uma dessas frases/ideias está totalmente equivocada.


3 comentários:

  1. Ótimo texto! Reconfortante encontrar alguma chama de bom senso e lucidez entre tanto pensamento petrificado.

    Aproveitando para fazer uma indicação, caso ainda não conheçam, de um texto que acredito ter muita relação com alguns pontos discutidos. É "A indústria cultural" de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Eles pensam um pouco a respeito desse processo de massificação das opiniões e de castração do pensamento autônomo, autêntico e próprio. Parabéns pelo trabalho.

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  2. Este apresentador e suas cópias, criminalizam ate as pobres arvores, como se fossem culpadas por terem sido maltratadas pelos moradores e poder publico da cidade.Estes ditosa humanos vandalizam as arvores de todas as maneiras e ainda as culpam.
    Ve-se pela cidade que as copas são cortadas de um lado so, ficando com o peso de um lado o, ou tiram toda vegetação da base a deixando como um pirulito. E o tal apresentador adora por a culpa na vitima.

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  3. Excelente. Por favor, postem aqui o link para a continuação do texto!

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